Num livro de que eu já por aqui falei, feito de pequenos nadas em breves crónicas, o José Rodrigues Miguéis, que foi advogado até se fartar, e fartou-se depressa, com escritório improvisado na Rua do Coliseu dos Recreios, local muito a propósito para um advogado ter escritório, precisamente por causa da ironia dos recreios, nesse livro, dizia eu, que a esta hora da noite já me perco no que ia para dizer, e que chama «O espelho poliédrico», contava, numa prosa chamada «Lembranças em Estilhaços», umas larachas que diz ter escutado ao Teixeira de Pascoaes. Em uma delas era acerca dos tiques gastronómicos dos homens de letras que, ao contrário do que se supõe dos vates, que se imaginam alimentados a ambrósia e néctar, como os deuses no Olimpo, fala do Leonardo Coimbra. «O Leonardo [...] batia-nos a todos. Era capaz de comer um boi, começando pelo rabo, e só lhe deixava os paus de fora, para arremeter contra a filosofia». Ora aí está um excerto que, precisamente por eu já ter jantado um tão diminuto bacalhau com batatas e há tanto tempo, trancado que estou a trabalhar, me faz compará-lo com os que, na vida em geral, se alimentam a peixe, e deixam as espinhas na beira do prato.