Filho és, pai serás, assim como fizeste, assim acharás. O provérbio popular é antigo. Ouvi-o, li-o, nunca lhe liguei importância. E, no entanto, aquela cena estranha da cama vazia do hospital, naquela tarde de visita, como que a acusar-me de tanta omissão, visitou-me esta tarde. É domingo, cada um dos filhos para cada lado, os remorsos a ocuparem o lugar dos afectos, o dia do pai. E, no entanto, eu tinha então vinte anos, melancólicos e solitários. Saí dali e logo ao lado encomendei um enterro, que as agências funerárias rodeiam hospitais como abutres ao cheiro de morto. Por não podermos mais, pedi o mais barato funeral que houvesse, daqueles em que desaparafusam os crucifixos antes de baixar o caixão ao coval, para os aplicarem no próximo que siga. Quando, ao fim da tarde, esperei a minha mãe ao começo da nossa rua, ela compreendeu na minha presença e no meu silêncio, o que havia para entender. O pai do seu filho tinha, enfim, terminado os seus dias. Acompanhando-nos, velámos o corpo essa noite. No dia seguinte a casa estava mais fria. Os ressentimentos, à solta, gelavam-nos a alma.