Parece que foi há um século que deixei de ler sem ser por obrigação.
Ontem à noite, com os olhos meios piscos, as letras a trocarem-se, tomei em mãos o Manuel Laranjeira, e de novo as suas «Cartas».
Já nem sei se foi este o último livro dos muitos cuja leitura interrompi, mas reencontrei-o numa carta a Ângelo de Almeida, desanimado, possuído da sua desolação infinita, em «apocalíptica lamentação», enfim o estilo decadente que lhe marca a patológica psicologia, numa sociedade mais doente do que ele.
Os meus amigos quando eu escrevo estas coisas pensam que por algum mimetismo eu estarei num estado semelhante, tal como naquela lei sociológica da imitação que já fez escola há umas dezenas largas de anos atrás.
Ah!, os meus amigos, aqueles que, a escreverem-me deveriam tal como ele desejou ao dito Almeida esperar encontrar-me «rijo como um labrego». Rijo e analfabeto, que as letras matam o corpo, fazendo o coração pensar e a cabeça sentir.
sábado, 22 de setembro de 2007
sábado, 15 de setembro de 2007
A escada do infinito céu
Ando à procura de uma escada que seja alta na medida suficiente para me permitir alcançar a parte superior da estante dos meus livros. É que estou a cansar-me de os ver rastejantes, cercando-me a cama, por impossibilidade de os arrumar lá em cima, no lugar que, ansioso, os aguarda.
Procurei em vários sítios. Já me contento que ela seja em frio alumínio, desejando-a, embora, em morna madeira! Hoje, na loja do chinês aqui em baixo, a empregada tentava, entre vénias, explicar-me naquela língua em que os «erres» agressivos foram substituído pelos «éles» amaciados: «não ále, só dois deglaus, alto mais não fazê-le».
Olhei aquela filha do Império Celeste, a idade a mantê-la naquele corpito franzino eternamente de adolescente, o íntimo pensamento impenetrável. Esbocei um sorriso. À saída um Buda em plástico, que dá alma aquele amontoado de quinquilharia barata, sorriu-me também.
Inútil tentar subir ao céu quem nasceu para viver na terra. Irei ao IKEA, rumo ao Norte. Talvez ali, mais perto da Estrela Polar, na via do sonho, encontre a minha escada.
sábado, 8 de setembro de 2007
Leituras de cabeceira
A ânsia de ler o atrasado, aqueles livros que houve um tempo em que todos os tinham lido, mesmo os que os não entenderam o que liam; a pressa reler os livros que não faziam falta quando os pude ter e já não existiam quando os desejei rehaver. Tudo isso é hoje o meu modo de ser enquanto leitor.
Sim, porque ter lido o «Rumor Branco» do Almeida Faria naquela primeira edição que deu brado não é o mesmo que tê-lo hoje que tem obra consagrada e parece que já nem escreve.
E depois é aquela preocupação obsessiva de, quando se gosta de um autor, querer ler tudo o que ele escreveu, comprar um a um todos os seus livros e todos os livros sobre si, fazer listas e no fim correr de adelo em alfarrabista para reconstituir o que falta, parecendo que há sempre mais um na bibliografia inédita.
Claro que se sofre com isto. Foi assim com a obra do José Gomes Ferreira. O que eu me entristeci quando li «O enigma da Árvore Enamorada, divertimento em forma de novela quase policial», por achá-lo petulante de título e péssimo de estilo, a narrativa da «árvore que se apaixonara por Ema e que tinha ciúmes do cão!».
A personagem central chama-se Martinho de Samardã, nome foneticamente adequado para o caso, onomatopaicamente sugestivo de recorrências.
Hoje, que andei a arrumar os dispersos que já cercam o estrado que faz de cama, dei com ele, aplicadamente sublinhado, porque o li todo, sacrificado mas fiel.