Passam-se os anos, interiormente séculos, quase uma vida se esvai e de súbito, num comboio que termina a sua marcha encontram-se no sorriso da indesmentível alegria de se reverem Ela mirava-o eternecida, acanhada, ele sentiu, ao surpreendê-la, o rufar da alegria no seu interior em festa. Pelos vistos há demasiado tempo que se tinham perdido. Seguiram cada um para o seu lado. Ao perdê-los de vista, carregando as minhas malas, revivi com eles a incontrolável força do gostar. A minha alma, sorriu-se melancólica à ideia, a vida real interrompida por aquele instante de sonho. Estarão hoje remoendo o seu passado perdido, talvez a dificuldade do seu presente, Naquele segundo, porém, todo o mundo parou, maravilhado para lhes dar espaço e tempo de uma vida por viver.
segunda-feira, 26 de novembro de 2007
sábado, 17 de novembro de 2007
O Príncipe e o pobre
O pai de Niccolò Machiavelli chamava-se Bernardo. Letrado em jurisprudência, ignorava a arte de enriquecer, ao contrário de tantos dos advogados e notários florentinos. Amava, porém, os livros e comprava-os, trocando quantas vezes para isso produtos hortícolas da sua propriedade rural. Maurizio Viroli, cujo estudo sobre o sorriso de Maquiavel estou a ler, diz que a história de Roma, de Tito Lívio, com base na qual o autor da Mandrágora compôs o que foi uma das suas melhores obras, embora a menos conhecida, o Discorsi sopra la prime deca di Tito Livio, a conseguiu ele, elaborando, minuciosa e pacientemente, durante nove meses, um índice dos lugares citados na obra. Como penhor de que cumpriria, o pai Bernardo deixaria ao editor «tre fiaschi di vino vermiglio e un fiasco d'aceto».
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
O vinho
«Vinda sabe-se lá de onde, uma nuvem entra por mim dentro, invade-me com a sua escura e ardente melancolia». João de Melo escreveu e Paula Rego ilustrou. É um livro sobre o vinho. Ofereceram-mo hoje. Embriagado de cansaço, sonhando mostos e roendo grainhas, lembro-a da fermentação etílica que é o processo de nos irmos evaporando no lento sonho da ressaca de uma vida mal curtida. No fim vomita-se, na valeta do desconsolo, a alegria breve da bebedeira, o sarro pastoso dos copos por beber. É a alquimia mágica do viver.
sexta-feira, 2 de novembro de 2007
Criaturas embiocadas
Gente do Algarve, gente que acredita que há quem leia o que vale a pena ser lido, foi buscar a um conto de Manuel Teixeira-Gomes, o nome para uma editora. Chama-se «Gente Singular». Eu e o texto éramos então uma mesma alegria.
Na página 17 já o narrador, saído da casa de Monsenhor Romualdo Simas e suas três irmãs Sebastiana, Prudência e Faustina, «criaturas embiocadas em lenços negros», se acoitara num pensão, ouvindo da «língua horrorosa» do Dr. Ximenes sobre o conservador da comarca de Faro que «tinha palavras de semana santa e obras de Entrudo», do Pedro Carneiro, escriturário da Fazenda que, sedento das «lindas moiras» se embrulhara na ideia hipnótica dos amavios de uma sultana a tal ponto que, aproximando-se da cama do que julgava ser uma noite no serralho, «sem acender a luz para mais apimentar os preâmbulos da aventura», se cruzara no ansioso palpar com o Celestino, sua voz grossa e sabe-se lá o quê de inesperadamente pronto.