Enganei-me. E como sou superticioso, acredito no valor simbólico do engano.Tinha comprado dois livros de Bioy Casares. Ainda não acabei de ler um deles e hoje, com a vista ainda meia turva de sono, peguei no que julgava ser esse e levei-o para continuar a leitura, com o propósito, aliás, de acabá-la, porque deve haver uma qualquer lei do consumo de literatura que define a quantidade máxima de livros que simultâneamente se estão ainda a ler sem chegar ao fim.
Tarde demais dei pelo erro. Já não podia voltar atrás para o reparar, porque é dia de preguiça e ao mesmo tempo arrisquei seguir o trilho que o destino me assinalara. Agora está inevitavelmente inciado, o que é irritante por aumentar a minha dificuldade em reduzir as pendências literárias e ainda por cima, estou seduzido pelo que leio e vou ser vítima da inevitabilidade.
Assim foi que iniciei o Dormir al Sol. É uma narrativa contada num contexto de um matrimónio quesilento, no território azedo dos mal-entendidos e das zangas, em que é falso que as pessoas se entendam a conversar, por ser precisamente a conversar que se irritam e o silêncio equivaler à paz.
Diana, cavilosa e desconfiada, qualquer boa notícia a entristece, porque dá a supor que, para compensá-la, virá uma má. Para si a frase «se não queres entristecer-me, não estejas nunca triste» tem como resposta razoável «então, não venhas com a história de que é por minha causa que te preocupas». E abre-se a cena do ódio e da recriminação.
É o mundo do «descontentamento geral», das indispostas e queixosas senhoras do «grémio das esposas». Haverá seguramente livros sobre maridos contentes e mulheres felizes, na base do era uma vez. Este está-me a parecer que trata da teoria geral da indisposição e seus fantasmas.
«Peripécias inusitadas», diz-se na contra-capa a anunciar a obra. Ou talvez não. Depois digo se não são, afinal, modos extraordinários de contar lugares comuns.