Vinham primeiro as provas a granel, depois as já montadas, com o livro já paginado. Emendavam-se umas e as outras. Havia escritores que escreviam os livros nas provas, que faziam dos tipógrafos dactilógrafos. Havia relações de ódio surdo e de amor disfaçado entre a burguesia escritora e o operariado gráfico.
Há ainda pois resiste toda uma nomenclatura e uma simbologia pela qual uns e outros comunicam. A foto é um exemplo.
Um dia um linotipista - coisa que já não há - disse-me, numa nota a lápis na folha de guarda de um livro então em provas: «agradeço ao senhor autor o favor de arranjar outra pessoa para rever o que escreve!». Queria ele dizer, farto de gralhas, emendar o que escreve. Mas acanhou-se, remendiando-se vocabularmente com a modéstia dos que se sentem de baixa condição.
A vida é pouco mais ou menos isto. Há sempre alguém que gostaria que encontrássemos quem nos emendasse nos nossos modos de dizer, os nossos «enros», como escrevi aqui, citando o António Alçada Baptista. Um dia estamos encadernados e só resta imprimirem uma errata: onde se leu «viveu» leia-se «teria vivido».