De repente uma pessoa tem a certeza de ter o livro. Não de ter tido mas de ter ainda. Procura-o. Tem muitos livros em casa, a maioria estão mais ou menos arrumados, por autores, sobretudo porque, por se gostar, se compram muitos livros de um mesmo autor, por vezes a rondar a obsessão literária.
Não está na estante onde deveria estar. Não está porém, e o porém é uma forma de uma pessoa se angustiar.
Nem na mesa de cabeceira está, porque há o ler deitado. Nem no chão o encontro ao lado da cama porque há leituras que nos cercam na cama. Nem na mesa que foi a das refeições e onde as refeições são num canto entre livros. Nem nas cadeiras que fazem de estante pois um dia eu haverei de arrumar isto. Nem em parte nenhum nem em qualquer lado ele aparece. Não o emprestei porque raramente empresto algumas vezes dou e não dei.
De repente, muitos livros adiante, descobre-se um caixote de papelão com muitos livros. Estão lá todos aqueles e os outros, mesmo aquele de que não sentíamos a falta. Sentimo-la agora que os vemos e abraçamos.
Era este o vazio da alma, este o desconsolo do peito. Amigos meus, eram vocês. Qualquer coisa de ausente existia em mim. Na rua a chuva, amigável, parou por um instante.
De repente, despertada de um sonho, uma pessoa lembra-se do primeiro livro que nos leram. O amanhecer da infância surge-nos como manhã, a promessa de um novo dia.