Há na escrita de Jorge Luís Borges uma tal figuração do real livresco que o leitor hesita em saber se é existente o que passa por verdadeiro na sua escrita. São os livros que podem não ter sido escritos, os povos puramente imaginados, as filosofias imputadas a nomes que nunca filosofaram sequer em torno do próprio nome, gramáticas ficcionais e línguas sem vogais que nenhuma língua dobrou. Entre o divertimento e a trama, o magnífico argentino fez método construindo enredos que sendo literários são filosóficos nunca sendo filosofia feita literatura.
Cego a partir da idade em que as ideias frutificariam maduras, passou a pensar em profundidade por ter perdido a capacidade de observar em extensão. Radica aí a sua concepção topológica do tempo, a volumetria do ser como sua essência natural à ausência de dimensão própria que não seja a dos limites ao infinito para que tende em movimento perpétuo.
Lembro-me disto ao mesmo tempo que a preguiça me impede de ir apenas à sala ao lado buscar o pequeno volume, compêndio de artigos, onde possa confirmar a justeza da ideia, valorizar o rigor da citação. Talvez esteja nisso borgeano já, rendido à verdade da aproximação ao sentimento mais do que vergado à força injuntiva da razão.
Na tabela das equivalências universais o incompreensível dói tanto como o entendido. Dói sobretudo por mais tempo porque há a extensa caminhada em busca da compreensão.