Métrica irregular, exaltação sentimental, está na ode a odisseia e o clamor, a turba coral, o ser e tudo quanto é. Não é um declamar mas um gritar, não o grito mas o coro da revolta. É sobretudo o homem soerguer-se em nome de toda a sua humanidade.
Lemo-lo e torna-se impossível não encontrar ecos nossos de um Pessoa, a irmandade com um Almada, ou nele não surpreender a desordem clamorosa de um Ezra Pound.
Falo hoje da Ode em Viagem, a sua edição de Março deste ano, editada pela Livros do Mundo.
Falo, porque decorreu o tempo em que a li, lendo em alta voz, para ser ouvido e fazendo respirar no meu ser a insuflada declamação, porque exausto, enfim, o esgotamento do grande final, o pico extático em que «terra à vista!» se toca o chão, «suave e frágil, como não haver destino» e onde «tudo está certo».
Deixem-me dizer que Fernando Cabrita é tanto mais excelente quanto mais se afasta da óbvia referência ao reconhecível pelo conhecimento e voa, poeta alado, pelo mundo simbólico das menções significativas intuíveis pela sensação.
E excelente quanto mais se sente no seu coração de leão não o homem transitório do que é precário, ainda que português, mas o pulsar das dores, aflições e risos em clímax de todos quantos ecoamos na sua voz, no mais, emudecidos ante o eco.
Poema de argonauta, herdeiro dos tempos corajosos do que foi a procela marítima que nos levou às Índias da maravilha, ou a eternamente ficar no cais da saudade, um volante a rodar, alucinado, dentro de nós, a mala eternamente por fazer, é ele hoje, neste poema, sonho fantástico e loucura de imaginação, comandante e equipagem, passageiros e viagem, rota e destino nessa magnífica ave mecânica que se auto-sustenta sobre os céus «vogando etéreo como um cometa sem idade», ah «ó aviões que partem para toda a parte e para parte nenhuma!», nave que «desliza no meu sonho, entre sonhos que se vão».
Sobre tudo quanto existe e sobre tudo quanto poderia existir «tudo morre de novo, instante a instante, e de novo renasce, em ressureição vivaz, e zumbem conversas, e entrechocam-se passagens, e ouvem-se línguas diversas e diversas vaidade».
Magnífico! Magnífico! Viva!
Fernando Cabrita, advogado por acidente momentâneo, poeta por definitividade, viva! Entre a «fuzilaria de sons inúteis e de invisíveis silêncios» a tua voz troveja, agigantando-se em poema!