Li-o e sempre a compará-lo com Wenceslau de Moraes. Não conseguiu, como este, florescer no jardim da sua alma a cultura oriental, talvez porque aquele teve o privilégio de rumar da China ao Japão e colher do perfume floral do sentir a verdadeira essência. Também não alcançou aquele vértice de despojamento errante, temível de grandeza mesmo quando a roçar a miséria.
Camilo Pessanha esgotou-se numa obra sem ter querido escrevê-la enquanto livro, a Clepsidra. Tudo o mais não lhe sobejou, dizimado por um filho desprezado, pelo seu esvaimento em vida, pela displicência com que sobrevivia ante o materialismo necessário dos cargos públicos de que pouco fruia.
António Dias Miguel encontrou-lhe o rasto, buscando-o aos primórdios por Lamego, menino, ele que não se lembrava de ter tido infância, e seguiu-lhe até ao rastejar moribundo, trazido à luz pela ilusão do ópio, vivendo entre o ambiente confuso e mal arrumado de uma quarto onde se confinava, qual junco «do incessante naufrágio que tem sido a minha pobre vida», passageiro de bordo de um navio que gostaria fosse sem destino «a não chegar ao meu sítio nunca».
Europeu por natureza, expatriado por necessidade, sabia que «os ossos, mesquinhos, ai de mim! esses pertencem, por um destino invencível e absurdo, ao chão antipático do exílio».
O seu espólio encontra-se na Biblioteca Nacional [ver, por exemplo, aqui]. O possível.