Livro tremendo, o fim da narrativa anunciado desde logo no início: «Bastará dizer que sou Juan Pablo Castel o pintor que matou Maria Iribarne». E disse, mas um imenso fosso de sem razão abre-se ante o leitor, perplexo e agoniado de dúvida.
É o livro explicação do porquê odioso dessa morte, relato de que em cada momento a ideia da mesma se foi avolumando, tumultuosa, simultaneamente com a descrição, gotejante, de o sentimento do amor a poderia ter evitado? Mais do que isso.
O Túnel é o diário de todos os cambiantes sentimentais do amor, labiríntico, contraditório, absurdo, vivido com «ódio, desprezo e compaixão», como se dois corredores ou dois túneis os separassem sem jamais convergir, e cada átomo de acto fosse sujeito a um «lúcido mas fantasmagórico exame», com conclusões sempre hipotéticas mas indesmentidas mesmo quando não verdadeiras.
História de uma «lúcida ferocidade» é a razão de um louco contada pelo próprio, vida de seres de fealdade e insignificância, mundo de mentiras e de insensatez.
Sofrido em Buenos Aires, impossível não ver referências próximas como Borges e a sua biblioteca, Borges e a sua cegueira, Borges e, afinal, a consciência moral final da razão conformada com todos os excessos do sentimento, a eles renunciado.
Livro estranho, profundamente real na minúcia do quotidiano que lhe dá desenvoltura, críptico quanto àquilo a que afinal se refere e ao que vem.