sexta-feira, 20 de junho de 2014

Naufrágios e lonjuras nas ilhas encantantadas


Eu tenho este horrendo defeito de não gostar, sem ter razão, de certos livros, filmes ou o que seja, desde que sejam gostados por certas e determinadas pessoas que eu detesto. Assim sucedeu com o Jorge Luís Borges até que hoje consegui reunir a obra integral em castelhano e creio que terei já lido a maior parte, transido de admiração. E com tantos outros que até sinto vergonha por ser assim.
Sucedeu o mesmo com o Antonio Tabuchhi.
Mais sucede que todos nós temos uma atávica má-vontade em relação à chamada "Literatura de Aeroporto", até descobrirmos, como eu descobri, ali na Portela, ao começo da manhã, numa viagem de ir e vir no mesmo dia, o chamado voar estafando-se, aquele sobre o que vou hoje escrever e tê-lo lido fascinado, pelo tema, pelo modo de escrever, pelas ondas marítimas de sentimentos que me possuíram nas horas em que lentamente o segui, linha a linha.
É breve na aparência a obra, mas a densidade que provoca na alma, tem um tal peso que o leitor sente atrás de si, como uma embarcação, o rastro da sua navegação.
Tudo se passa em torno dos Açores e das baleias, e da faina que o Mar traz e suas dores.
Se há livros escritos amorosamente este é um deles. Narrativa redigida como se fosse reportagem, com uma pequena estante final, despretensiosa, com o que se pode ler para continuar naquelas águas, tudo nela é desvelo e mimo. A rudeza circundante torna-se beleza dorida.
Que direi eu do que é o livro? Nada, porque peço que o leiam. Ainda por cima a editora está a saldá-los a sete euros e meio o que é uma forma de fomentar a cultura esvaziando armazéns, alegria e tristeza num só gesto.

P. S. Vou comprar o Tabucchi todo! É o costume. Não se é impunemente do signo Carneiro...

quinta-feira, 5 de junho de 2014

José da Cruz Santos, de facto "um inventor de livros"


Visitei-o ontem, agora que está no Porto, no seu pequeno espaço na Praça Guilherme Gomes Fernandes, ali junto ao meu sucinto recolhimento, a livraria onde acumula preciosidades.
Lembrámos, após os segundos de hesitação quanto a sermos afinal nós, o nosso encontro em 1999 em torno de uma aventura que daria uma narrativa fantástica de ousadia burlesca de que fomos vítimas. Agora com riso porque o tempo apaga as dores da alma.
Perguntei-lhe por um livro do Giovanni Papini, "Un Uomo Finito", pelo qual ando obcecado. Sabia, como amante de livros que é e seu leitor, que havia tradução portuguesa e qual o título. E ficou de mo encontrar, depois de empoleirado num curto escadote, baixar do alto, todos os Papini's imagináveis. Não lhe disse que vou tentar lê-lo em italiano, porque quero os dois, insaciável nas paixões.
De súbito dei comigo naquele oásis da vida que é conversar. Sem tempo. No espaço da intimidade.
Trouxe comigo em livro um feroz diatribe do Professor Ricardo Jorge contra Teófilo Braga, aqueles rancores que nem a filosofia aplaca e um outro Papini, o do "Juízo Universal"; e, enfim, um onírico Fidelino Figueiredo, de quem estou a reunir, eu tal como ele, um coleccionador de angústias, a obra integral.
Caramba e senti que a vida tinha tido um momento de respiração no sufoco dos deveres.
Bem haja o que me permitiu ir ao seu encontro, António Cruz Santos, de facto um inventor de livros, como se lê aqui.
Com ele volto a esta página que andava ao abandono.

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Fonte da imagem: aqui