Que destino têm cartas, ainda que íntimas, mesmo que expressando o que, dentro da minudência do que relatam, são instantes captados à História, momentos surpreendidos à solidão?
«Há aproximadamente um ano, foi-me apresentada uma Senhora que possuía vinte e tantas cartas do escritor Wenceslau de Moraes. Pretendia que eu lhas vendesse num dos meus leilões (...)», escreve, em jeito de «explicação», o antiquário Arnaldo Henriques de Oliveira [vejam-se resenhas bibliográficas suas, aqui],
Não acabariam vendidas a um qualquer coleccionador de valores transaccionáveis, encontrariam porto de abrigo num livro, editado pelo próprio em 1961, impresso nas Oficinas Gráficas da Sociedade de Papelaria, Lda., sita na Rua da Boavista, 375, no Porto.
São cartas a Polycarpo de Azevedo. oficial de Marinha como o remetente das missivas, ajudante de Campo de El-Rei D. Carlos e de D. Manuel, falecido na Quinta Solar do Arcipreste a 16 de Julho de 1929.
Li-as com o recato que exige quem se abeira do que foi o espaço privado de um exilado, que a tudo renunciou para se encontrar no Japão mas nunca perdido da Pátria e do seu funesto destino. E que direi do muito que se encontra quando se corta esta rocha vulcânica, xistosa, feita de placas sucessivas, feitas da convulsão telúrica do vulcão humano que é alma de homens excepcionais? Talvez transcrevendo este excerto que nos devolve da escrita o seu escritor.
«É muita verdade que, como diz, eu sou inadaptável ao século XX. Mas olhe que também o era ao século XIX. Eu nasci sem aptidões para a vida, vivi sempre numa meia demência que me afasta de ser feliz; e quando, na metade da existência, comecei a escrever para o público, ainda a má sorte me perseguiu.»