Tive-o. E ficou por uma dessas casas por onde uma pessoa vive e deixa ficar. Talvez tenha sido o morno pudor de não pedir a restituição ou a certeza fria de que já não o encontraria. Mas procurei-o anos a fio. Há uns meses, o acaso quase me tornou o reencontro em realidade. Mas estava reservado para alguém que se antecipou no mesmo preciso dia.
Desta vez foi uma conversa com o José da Cruz Santos, da Modo de Ler. Foi buscá-lo à estante. O Urbano Tavares Rodrigues falara-lhe nele. E prefaciara a obra.
A guerra matou-o, em África, a José Bação Leal. Sua Mãe guardara, como ao menino em seu regaço, «rascunhos que ele deitava fora», versos. A eles o livro soma cartas, breves garatujas, densos sentimentos tornados pensar.
Tudo começa no Alentejo, em Mourão, desaguando em dor na dorida África colonial.
A 7 de Junho de 1965 foi transferido para Vila Cabral, em Moçambique. Escreveu então: «aqui as acácias ainda não floriram. Sangram (por agora) desordenadamente no olhar humano da negra gente. Gosto das acácias de Dezembro, deste verão póstumo a rolar na montanha».
O livro comove, são lágrimas tornadas escrita, versos, cartas, apontamentos.
«Os únicos católicos Bons que encontrei seriam igualmente Bons, mesmo sem Deus», confiara ao seu amigo César, no dia antecedente, escrevendo do Alto Molucué, «poeticamente exausto, verticalmente só» se declarara em Mafra no ano de 1963.
«Um legado de sangue», assim chamou ao livro o seu íntimo prefaciador. «Sucedem coisas curiosas», escrevera José Crisóstomo em verso magoado: «ontem imaginei poder beber/um calmo desespero por uma incerteza/um suave adorno das rosas negras/que são o sangue do meu sofrer//Não consegui porém e bebi tristeza/uma tristeza feita de angústia serena/quase reconfortante mas sem paladar».