Coitado do Vergílio Ferreira, agora à mercê de se comemorar o centenário e ser, enfim, retirado do covil do esquecimento dos leitores, exumado para a procissão da efeméride - que é a forma necrófila de o mercado tentar relembrar - ele que nos trazia aquela escrita angustiada que passou de moda, malquista num mundo que só quer heróis trágicos enquanto patéticos e obscenos; mais: ele que, ao romper com o neo-realismo, tornando-os ódio de estimação, como ressalta da sua Conta-Corrente, mais a fuzilaria da polémica com o Pinheiro Torres, ficou isolado porque sem outra barricada outra salvo a dos poucos amigos e ex-alunos. E resistentes leitores.
Vejo-o, hoje Domingo, capa do JL, tocando violino, coisa que poucos sabiam ele fazia, assim Einstein e também Sherlock Holmes, o perfil esfíngico.
E encontrei-o ontem na Rua de Anchieta, em alfarrabista de rua, na edição facsimilada do Vagão J, o romance que a Bertrand ainda reeditou antes de o abandonar, a obra que ainda lhe garante lugar cativo no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, até que com Mudança [como escrevi aqui] moveu-se para a consciência literária de que o Homem não é apenas a luta pelo pão, nem a Literatura manifesto.
Escrevera já sob o livro [aqui]. Hoje publico o que sobre ele pensava um capitão que trabalhava nos Serviços de Censura, em 1947.
Fui ali à estante, onde estão quase todos e quase todos lidos, de lápis na mão, que é a forma de ler linha a linha, palavra a palavra. E leio no seu prefácio à segunda edição: «um livro é o registo do nosso diálogo com o mundo, ele não pode emendar-se como a juventude que errámos».