Continuo sem ler. Agora nem os jornais. Compro-os, dobro-os cuidadosamente, porque os detesto amarrotados, guardo-os na pasta e quando chega o jornal seguinte deito-os fora, sem remorsos sequer. Subnutrido literariamente, tento escerever, mas não há qualquer ideia que me pareça valer a pena. Vim aqui dizer isso. Eu sei que poderia ter-me abstido de dizê-lo. Hoje, porém, alguém me falou do Afonso Lopes Vieira e eu lembrei-me que já escrevi sobre ele, e que já visistei a sua casa, agora vazia, em São Pedro de Moel. Cheguei agora à minha casa e fui procurar na estante o livro onde o seu estilo piruteante e vibrátil havia sido celebrado. Encontrei-o. Tenho-o comigo, fazendo-me companhia, eu a escrever já com a luz do quarto a esvair-se, na rua o ranger dos automóveis dos que regressam a casa porque sim. Escreveu-o João Gaspar Simões. Lopes Vieira morreu em 1946. Escreveu «País Lilás, Desterro Azul», sobreviveu com «Onde a terra se acaba e o Mar começa». Senti-o em São Pedro Moel, estava eu sozinho com uma companhia. Lembrei-me hoje de tudo isto, porque alguém me falou e sobretudo porque sim.