Definitivamente a escrita deve ser a da personagem não a do seu autor. O atrevimento deste falar através daquele paga-se caro em Literatura, a ficção auto-biográfica uma tentação insuportável. Deliciam-se, claro, os leitores, no que pior há no seu voyeurismo, o traduzir a ausência de uma vida capaz, em cada linha do que lêem descobrindo uma dor, em cada ironia um contentamento. Espojam-se, cães escorraçando as pulgas, os escritores do infortúnio, vivendo dos subentendidos, do que permitem seja lido e interpretado, purgando-se nestas defecações da alma em edições muitas, a sugestão um modo de dizer sem o risco de ter dito.
Definitivamente a escrita deve ser uma outra coisa que não a própria vida. Ao terminar ontem o dia deveria ter escrito que, ao deitar-me, li mais umas folhas do livro onde se fala do general que estudava no colégio «as coisas que não deviam dizer-se». Chama-se As velas ardem até ao fim.