É extraordinária a agressividade das cidades. A agressividade de certas ruas de Lisboa. São automóveis esganados a caminho do próximo semáforo, conduzidos por gente ávida de vingança e não achando outra se não libertos enfim dos humilhantes empregos e antes de chegarem a casa para descarregarem humilhando os que lá estão. São os moinhos de café que parecem triturar pregos e latas ou parafusos e nos cafés as chávenas atiradas como numa gargalhada de cacos umas contra as outras e os copos. São os velhos surdos e os novos vocais, cada um a seu modo a quererem fazer-se ouvir, mesmo pelos que não querem ouvir. É extraordinária a violência sonora, a selvajaria verbal, a clausura dos locais, abafados, húmidos, pestilentos. São os caixotes de lixo a transbordar, o cheiro a fossa os cigarros retardados, a defecação sistemática dos cães, o passeio público feito retrete canina. São os pombos moribundos e os vagabundos. É a dor lamurienta dos excluídos rapandos nos caixotes e dormindo pelos cantos. É a nossa impossibilidade de sairmos daqui. É o mau hálito disto tudo, a roupa urbana por mudar, a de baixo.
Hoje começou a chover e eu lia em O Mundo à minha procura, do Ruben A., a frase magnífica: «O Verão cansou-se». Como eu o compreendo.