Ainda não voltei a ler o livro de Rachel Jardim. Talvez o faça ainda esta noite, aproveitando um qualquer instante. Acho que preciso da companhia dessa leitura, retrospectiva, calmante, reintegradora.
Venho aqui esconjurar um momento doloroso que com o livro nasceu esta manhã. Fala-se nele de Tia Inaiá, que casara com tio Renato, arquitecto italiano «que tinha a desproporcionalidade longilínea das figuras de El Greco». Renato era «um ser profundamente sofrido»: «estivera preso durante a Guerra, quando a Itália invadira a Etiópia. Defendera a Etiópia. Contava sempre que, tendo sido aprisionado e estando a caminho de um campo de concentração com outros prisioneiros num carro aberto, um bando de pobres mulheres etíopes fora ao encontro deles, oferecendo frutas. Uma não tinha nada para dar e estendeu o menino que amamentava, para que Renato segurasse por uns instantes e sentisse o seu calor».
Lê-se isto e é um desabar íntimo de tudo quanto ainda existe no precário edifício dos sentimentos. Que pobres somos, afinal, tartamudos, belfos, hesitantes em gaguez, na nossa tentativa de exprimir carinho. E por uns instantes sentisse o seu calor...