Teria já acabado de o ler se não se tivesse intrometido outro pelo meio e mais os acontecimentos da vida e as obrigações do trabalho e as da manutenção do corpo, a exigirem, por exemplo, dormir. Vou na página 149 das Andanças para a Liberdade, de Camilo Mortágua. É o primeiro volume. Cobre o período de 1934-1961. Interessei-me por ele porque esteve no assalto ao Santa Maria. Confesso que saltei o período em que era pequenino. Faço quase sempre isso com as biografias, como se esse fosse um tempo sem interesse, uma preparação para o momento da vida em que a pessoa verdadeiramente nos interessa. Eu sei que isso é cruel, como se matássemos uma pessoa. Mas é verdade.
O livro é uma história de privações, de uma vida dorida, de um «remetido à condição dos que não contam», ferido pelo «estigma da não existência social». Cedo emigrante, logo na América do Sul, enfim na Venezuela. A política chegará mais tarde. Por enquanto Camilo esgota-se ainda na busca de trabalho, moço de taberna, padeiro, o que seja. É um livro de fome, de uma mais dolorosas fomes, a se viver. Tem 255 páginas. Foi editado pela Esfera do Caos.
Ri-me, por vezes. Em Caracas, os polícias corruptos multavam mesmo os desgraçados «porque sim». É assim mesmo que as coisas nos acontecem: «porque sim».