É verdade. Não tenho a preocupação de ler novidades, nem a angústia de ter lido pouco, nem o fetiche das primeiras edições. Concluo muitas vezes que o que li agora li-o na altura certa. A vida encarregou-se de criar o tempo para o espaço que um livro ocupa nos nossos sentimentos. É verdade. Li As Velas Ardem Até Ao Fim de Sándor Márai há alguns meses. Voltei hoje ao livro. Reli o que tinha sublinhado e lembrei-me, talvez a despropósito do Robert Musil. Talvez por a personagem ser um general e haver reminiscências militares na obra do magnífico austríaco. Mas não era isso que eu vinha aqui dizer. É que me impressionou, presente em toda a narrativa a solenidade do silêncio, «o mesmo silêncio que reina dentro de uma bomba-relógio minutos antes de explodir». Foi-se o tempo da música de Chopin, a encher salões, ficou agora o ódio à música, à sua incompreensibilidade, ao tocar muito de perto «como uma agressão física», tão dolorosa como um dever. «No colégio não falavam de música. Preceptores e alunos limitavam-se a tolerá-la e a perdoá-la».