Recomendo quando estiver mal com o dia, por estar calor ou ainda não ter chegado o frio, ou por apetecer que mude o tempo. Recomendo quando quiser sentir um toque de classe a meio da tarde vulgar e um gole de categoria ao anoitecer a banalidade. Indispensável para gozar de um intervalo de ironia para com o excesso de importância que alguns se dão ou para se rir de si próprio.
São os Bilhetes de Colares, assinados por A. B. Kotter, pseudónimo do Embaixador José Cutileiro.Começaram a publicar-se no jornal A Tarde, em 1982, depois no Espaço T, de seguida no Semanário até 1991. Em 1993 ressurgiam na Visão em 1993 e entre 1997 e 1998 na revista de O Independente.
Fantasiando sobre a verdade, Freddy Kotter faz-se o convidado pelo Dr. Vítor da Cunha Rego para escrever uma crónicas sobre os portugueses. Uma crónica em «que diga mal de uns» para agradar aos outros, porque assim, com uma crónica por semana «ao fim de um ano conseguiste dizer mal de toda a gente e toda a gente ficou a gostar de ti». Naturalmente, como tem sucedido com os que fizeram da calúnia meio, do escárnio forma e tudo isso instrumento de uma carreira de sucesso.
Hoje em livro, é um desfilar de personagens inesquecíveis: a Mãe, um vulcão sentimental que, à força de bengala, destesta pobres, galarotes e parvenus, o senhor J. Fonseca, militar amanuense, o Lowater filósofo, a Fatimazinha e a Margarida, cuja tia cozinheira, aos noventas anos, desinteressada de paladares, já só comia «escorcioneira e a papa das radiografias ao estômago», e o Carlinhos, cuja maluquice «é uma gota de água na maluquice do mundo», todos nos contrafortes de Sintra, pela Várzea, em Colares, na Beldroega, um saltada por Cascais e pelos Estoris, entre o Daily Telegraph, a BBC e o Anglo-Portuguese News.
Claro que a fiel Margarida «tem instruções firmes para não deixar jornais portugueses aos olhos da Mãe sempre que haja crises políticas em Portugal», porque a senhora, com noventa anos, ferveria em pouca água, Resultado, Madame tem de ter, de vez em quando, algumas explicações, não vá fazer gaffes em sociedade. «Com um faro especial, sente que deve ter havido crise e pergunta, desconfiada: "Então, o Salazar ainda é o mesmo?". "Não, Mãe", respondo eu. "O Salazar agora é o Dr. Balsemão".
Impagável de excelência! Claro que lhe explicam também que é hoje o Carmona. E passa-se para a crónica seguinte, o dia a melhorar.