Quando fui a Manhufe ver a casa do Amadeo de Souza Cardoso perguntei em Amarante onde era Manhufe e o residente da terra de Pascoaes não sabia. Depois lá me informei, fui pela estrada fora e passei pela casa sem dar conta, porque não estava assinalada. Voltei para trás e lá a descobri. Estava fechada e não admitia visitas. Não voltei. Vi então alguns quadros do Amadeo no museu local e confesso não tive coragem para ir à Gulbenkian, que é aqui em frente, quando tout Lisbonne decidiu que o homem que deu escândalo quando da sua primeira exposição na Liga Naval era, enfim, um génio.
Vem isto a propósito de ter descoberto esta noite que o Manuel Laranjeira, esse místico laico que achava que os misticismos eram patologias do espírito e ele era um profundo neurasténico, se correspondeu com o ímpar pintor. Encontrei-as, essas desesperadas missivas no pequeno livro que Ramiro Mourão, que com ele viveu os últimos dez anos de vida, editou, em 1942, pela Portugália, com um prefácio de Miguel de Unamuno.
Leio: «Lisboa é um símbolo, o resumo da torpeza nacional: aos que não corrompe, enoja-os», gritava numa o solitário escritor.
Mas não foi por isso que eu vim aqui. É que tendo encontrado aqui uma caricatura em que Amadeo se retrata com Laranjeira pedalando numa bicicleta, o primeiro abatido o segundo iracundo, encontrei também a carta de 24 de Abril de 1906 que Laranjeira escreve ao pintor: «V. tem falhado em todas as vezes que tenta caricaturar-me, meu amigo, e vou dizer-lhe. É porque você ainda está na idade em que se ri das coisas tristes».