Emídio Santana, militante anarco-sindicalista. A cabeça patrícia, uma farta cabeleira como a de Álvaro Cunhal, o semblante a lembrar o José Gomes Ferreira.
Em 4 de Fevereiro de 1937 planeou um atentado contra António de Oliveira Salazar, colocando uma bomba num colector na Avenida Barbosa du Bocage. Planeava matar o Presidente do Conselho de Ministros e assim pôr termo ao jovem Estado Novo. O engenho explodiu, mas mal colocado porque mal calculado, não matou quem pretendia liquidar. Salazar escapou. Santana foi condenado a 16 anos de prisão.
Profundo conhecedor da alma humana, cinzelado pelo sacrifício da militância e pelo sofrimento da repressão, condensou num livro os seus escritos do cárcere. A Assírio e Alvim editou-os em 1989. Chama-se a pequena obra Onde o Homem Acaba e a Maldição Começa. São narrativas sobre a realidade carcerária dos anos quarenta, mas são histórias actuais, de «ex-homens», limitados pelo confinamento celular, orientados ao único objectivo que é o de sobreviver, resistir, aguentar, chegar ao fim da pena.
Li esta noite a história do Varandas, condenado da velha guarda, veterano inconformista, irreverente, a odiar por igual a autoridade, que tinha por opressora, e a religião, que julgava supersticiosa. Cumpriu parte da sentença porque o mandado de soltura foi a certidão de óbito.
Entrou na enfermaria, ante-câmara do cemitério, roído de padecimentos. Sofreu a insónia, a agonia, a angústia, a solidão, o estretor e já no fim, alta a madrugada, a alma a libertar-se, foi.
«O Varandas já não era um recluso; deixara de ser o 174...porque já era um cadáver. Libertara-se no silêncio da noite, fechado numa cela, a sós com o seu sofruimento, os seus sonhos e as suas quimeras». Veio o capelão encomendar quem não lho pedira. «Era uma filoxera a menos na vinha do Senhor, uma unidade da trista conserva humana carcerária que expiava uma sentença». Finara.
Ressuma bondade a escrita deste homem que, por amor à sua Pátria, quis matar o Estado em nome da Nação.