Às vezes viaja-se e não há tempo para ler: quando se vai a guiar, ou quando de vai de boleia e não é correcto uma pessoa isolar-se, fechado dentro de um livro. É por isso que o comboio é bom, o autocarro um pouco menos, o avião nem tanto.
Ontem tinha pensado escrever e não escrevi e aqui estou, terça a datar de segunda, a redimir o erro.
Deram-mo num hotel em Espanha, penso que em Barcelona. Há hotéis que põem livros nos quartos, como em alguns há quem deixe a Bíblia na mesa de cabeceira. É um livro de contos, pequeno, bem escrito e divertido. A personagem é um médico psiquiátrico a falar das suas experiências humanas e dos seus doentes e onde é que eu já vi isto?
Não importa muito. Interessa sim que, logo a abrir, ante um inquisitivo paciente que lê a Odisseia como uma lírica «de guerreros y navegantes si quiere, pero lírica ya. Una historia de celos, de propriedad privada...de ansias sedentarias de formar hogar, de convertir al nombre proprio en apellido. En definitiva, de familia», o médico refugia-se por detrás de um «silêncio metodológico».
Ora aqui está um instrumento útil não direi de acção, sim de inacção: um silêncio metodológico, que permita, enfim, interferir na identidade alheia.
O autor chama-se Rafael Sender. O conto chama-se El Amigo de dos Maridos. Um história de família, antídoto para ânsias sedentárias.