Foi assim. Eu precisava de comprar um carro. E achava que precisava de um automóvel confortável porque viajava muito e de uma viatura segura porque viajava para longe.
Mas não queria nenhuma das marcas convencionais que certas pessoas compram, nem os modelos que determinadas pessoas têm, porque não queria uma coisa que fosse parecida com o que certas e determinadas pessoas se parecem.
Foi aí que o vendedor me disse «um carro destes é daqueles que ninguém compra!».
Rendi-me ao argumento. Se me guiasse pelo senso comum perguntaria aos meus tostões: «mas se ninguém compra, porque é que hei-de ser eu a comprar?». Mas foi ao contrário em murmúrio com os meus botões: «ora se ninguém compra, cá está o carro que me apetece ter».
Feliz pela individualidade, contente pela diferença, alegre pela ousadia paguei ontem a factura da não normalidade, de não trivialidade, o preço do incomum. A Saab fechou, lia-se aqui. Goraram-se as negociações que lhe permitiram a sobrevivência.
Um destes dias tenho um problema para resolver. Não o de tentar ver-me livre do meu sonho, como os que atiram gatinhos a afogar para se desembaraçar da incómoda ninhada. Sim de me convencer que aos sessenta anos há coisas que acabam. De vez. Como a Saab.
«Você está a guiar um carro feito por uma empresa que fabrica aviões». Era o lema. Ontem entrei em perda, o altímetro silvando em descida furibunda, o hélice rosnando em bandeira, já sem airelons que me valessem. Em frente, a rude montanha do destino a esperar-me, tremenda, eu agachado no cockpit da minha carcaça humana, a manche da vida enclavinhada na mão, incapaz de voltarmos a ter o nariz virado para o céu. Mayday, mayday. Que Deus nos ajude.
Desculpem, eu sei que este blog é dedicado a livros. Este post também. No espaçoso porta-bagagens do meu Saab ainda estão caixotes com livros, as minhas maletas para a travessia, como aquele vagabundo que numa sacola transportava, imprevisível mercadoria, uma pesada tartaruga. Vem num livro do Miguel Rojas.