Há autores que, trepando às árvores da sabedoria, conseguem escapar à voragem dos predadores da cultura alheia, salvando as suas obras do saque dos sacrílegos rapinantes da reflexão dos outros.
Lembro o espoliado Pessoa, citado até às náuseas, palhaço hoje de tantas instalações e outras medíocres representações, um mundo ainda por se saber.
Míseros todos quantos passam a moda, autores que citados se tornam sinal de distinção cultural, pedra-de-armas de aristocracia literária, senha e santo para o clube exclusivo daqueles cuja opinião conta.
Pobres dos possuídos e dos apropriados, dos transcritos, dos bibliografados.
Pensei nisso ao ir buscar à estante um livro da Dalila Lello Pereira da Costa. «Uma mística ecuménica» lhe chamaram já com carinho. A sua obra está impregnada de beatitude e de uma exaltação mansa. Passeia-se por ela como por um jardim de delícias amorosas, um carmelo de rosáceas purificadoras.
Num qualquer instante surge o milagre extático da consubstanciação. O acto de mistério é o abraço do divino. «Buda então é vencido pela saudade», o eterno retorno perde, liberto, a maldição da fatalidade.
Originária do Céu, Dalila surgiu no Douro. Uma voz subtil fala através de si, ecoando pelos lugares insólitos de uma corografia sagrada palavras humanas que são símbolos angélicos antes de serem conceitos terrenos e de que só temos uma ambígua noção adivinhando-lhe o sentido oculto que esconde dos olhos o aparente exposto.
Lê-la é uma iniciação. A alma suspende-se.