Estranha e incómoda situação, embaraço em confessá-la. Mas a imagem era muito má, o que é um crime para um filme sobre uma pintora, e o som era péssimo, o que é uma ofensa quando Sophia de Mello Breyner lê um poema seu, e uma agressão para os espectadores que querem entender quando as falas são em francês, e há muitas e longas e extensas e sem planos de corte.
E depois, tenho de admitir, há num qualquer labirinto de mim uma rejeição funda para com a pessoa do Arpad, na mesma medida em que há um denso apreço estético pela Vieira da Silva. Não sei. Talvez o olhar, a pose, o conjunto. Talvez o vê-lo velho numa altura em que se tem medo do que aí vem com a velhice.
E depois não encontro o livro que a Agustina escreveu sobre eles e temo tê-lo perdido, mas eu nunca perco livros, resta-me tê-lo emprestado.
Foi o documentário de José Álvaro Morais. Rodado num tempo em que as calças eram à boca de sino, como se nota no final quando a ficha técnica está ilustrada com fotogramas dos próprios. E os cabelos compridos. E as barbas em desalinho. Em 1977, com um apoio da Gulbenkian que meteu «intrigalhada e desavenças pelo meio».
João Bénard da Costa gostou muito do filme e ele era critério. Eu detestei-o muito e sou apenas espectador, aquele para quem os filmes são feitos.
Ficaram as cores, sobretudo o azul. E ficou-me a cena íntima em que, sentados lado a lado, na proximidade de um sofá, Maria e Helena e Arpad, o plano recortado de modo a que se pressente mais do que se vê, e se nota a sua mão acariciando o que se julga ser a mão do seu companheiro, cujo olhar extasiado raia o lúbrico objecto do prazer, e, afinal, é um gato, o bicho, que ela acaricia, meiga, doce, dedicada.
Ma femme chamada bicho, assim se chama o filme. Oitenta minutos de nervos. Agora que acabou, onde está o meu livro, em capa azul petróleo, editado pela Guimarães, onde a Agustina conta o que viu, sentiu e pressentiu e o filme não chega sequer a surpreender?