Fica sempre a dúvida sobre se estes papéis são para ser editados. Se não serão demasiadamente privados ou excessivamente provisórios. É que são notas de leitura, a apontamentos para melhor memória, ou suspiros de circunstâncias. Escritos porque se sentiu a agonia do aperto financeiros, o brotar da esperança em dias melhores, porque amou ou sentiu falta de amor.
Claro que o ser-se escritor sujeita uma pessoa, como se a sua alma pertencesse aos leitores, na parte em que se espalhou, ectoplasma espírita, em papel impresso, ou no que ficou escondido, na aérea respiração de onde emana a ideia e o sentimento.
Senti isto ao ler o volume segundo que compila excertos dos setenta cadernos de escrita de Maria Gabriela Llansol. Editados pela Assírio & Alvim.
Compreende-se, ao lê-los, quanto as ciências ocultas, a alquimia, o mundo esotérico preencheram os interstícios do seu ser sensitivo e pensante. Entende-se como é que foi no húmus da Natureza que ela encontrou a sua natureza. Interpreta-se melhor o tom errático, a incompletude, o solver-se e coagular-se do processo de escrita.
Mas é com pudor e vergonha que se passa por certas páginas. Onde está a carência e o desejo, a ausência e a falta. O livro, franqueando-lhe a intimidade, «levantou-lhe a ponta do vestido que era um vestido de larga contemplação». Como todos os diários, são livros de cabeceira.