Li esta manhã, em que, enevoado como a rua, fui a grua de mim mesmo para me soerguer e enfrentar as obrigações minhas e os deveres para com os outros, sem tempo para ler ou para pensar salvo no óbvio, que hoje era um qualquer aniversário do Teixeira de Pascoaes. Agora confirmei que era o da morte, que aconteceu a 14 de Dezembro de 1952. Como não dá data certa vai haver escasso fogo de artifício necrófilo. Comemorar uma morte é, aliás, tão ridículo como celebrá-la com champanhe, os vivos contentes pelo passamento daquele.
Advogado de profissão, com banca exígua na Rua das Taipas, no Porto em 1906, dele se disse, como se numa síntese que resumisse assim sua vida, «em conclusão, o poeta venceu o advogado, adoecendo, ou tirando forças da fraqueza».
E assim foi. Fui reunindo dele a obra, assomei aos portões da sua casa em Amarante quando por ali procurava para um livro inacabado o Amadeu Sousa-Cardozo. Está comigo como presença e possibilidade.
Cedo se lhe foi vincando no rosto a caveira simbólica que anuncia aos vivos que a Morte é dona já daquele corpo. A alma, essa, brilhava-lhe, como uma luz reflexa, e por isso escreveu que «a vida é uma queda energia brutal, sorriso que ficou da gargalhada, relefexo de um incêndio longínquo» e por isso também no cemitério de Gatão, irmanado com a Natureza que é Mãe, ele jaz, ou o que dele resta, sob o epitáfio: «apagado de tanta luz que deu, frio que tanto calor que derramou».
Falta a memória. Nesta tarde que finda e em que a noite já começou, olho, juntos na estante, os livros que nos deu. Preparo-me para o dia em que ao lê-los sentir que o acaso me levou a isso, anunciando-se, como num sorriso, a ironia da minha hora.