São histórias de amor, pungentes e doridas, entre risos e carícias, as histórias de amor aos livros. Acabei esta manhã de ler uma sublime história desse amor bibliófilo, feito de silêncios e de recolhimento, de devoção e adoração, a história do alfarrabista Jacob Mendel, contada por Stefan Zweig.
Num mundo que vai perdendo classe e em que a categoria pessoal se tornou uma excrecência, em que uns truões sonoros passam por senhores, macaqueando, vocais não se sabendo ridículos, o que julgam ser sinais de estirpe, Stefan Zweig é a grandeza senhorial feita escrita. Mesmo quando fala do humilde, sentindo-se um deles, mesmo quando o coração triste de todos os outros é o seu coração entristecido, ele é, na Literatura, a totalidade da Humanidade em finíssima observação de requintada forma.
Não conto a narrativa porque nunca se defrauda um possível leitor, nem saberia contá-la sem quebrar em estilhaços o cristal mágico que dita a sua imparidade.
Li-a em francês que é talvez, ao lado do italiano, ainda o melhor parente do alemão original em que foi escrita. Não sei se a traduziram para a nossa língua, ao lado de tantos livros que a Alice Ogando dele traduziu.
Dedico este texto à minha querida amiga Teresa Guerreiro, samaritana das letras, que, com devotado carinho, salva do esquecimento tantos livros quantos pode e mais salvaria assim pudesse, como quantos salvaram das garras do cativeiro e da humilhação, antecâmaras da morte pelo esquecimento, homens como o alfarrabista Jacob Mendel, Jainkeff Mendel, nascido na parte russa da Polónia, que, esquecendo-se das burocracias da legalização era apenas um ser humano perdido entre Estados que se esquartejam pelo espaço vital para concentrarem, como num campo de reclusão, súbditos passivos e apenas seus cidadãos.
Neste domingo, tal como ele que trocou Jeová, seu Deus, pelo politeísmo sedutor dos livros, celebro, em comunhão com a leitura, a liturgia do amanhecer, mãos dadas, enfim, com o carinho de um lar.