A poesia é o território da possível invulgaridade, embora a invulgaridade seja invulgar na poesia. Paulo da Costa Domingos destaca-se com o seu "Averbamento", publicado pela & etc em Maio deste ano.
É um livro que ele próprio compôs, amorosamente, porque é preciso amar os livros, e ele ama-os, para que o próprio escritor dê forma gráfica às suas palavras. Fê-lo através do que poderia ser um velho caderno encadernado, pautado, em papel azul em que até um certo momento da poética, carrila, em paralelo, um ensaio que é poesia filosófica sobre a condição humana. Aquém de um manifesto, pois falta-lhe a proclamação, o poeta encontra-se, como nós os encontramos, sem o saber porém dizer assim, com «uns tipos simpáticos que se põem assim como que de lado, hieroglificamente a assistir aos espectáculo do espectáculo dos sacrifícios, e bolsam com a bolsa cheia de conjecturas e transversalidades para a benemerência do raquítico pensamento nacional». E o filósofo constata quanto «ressonamos, assim, no sono de uma outra antiga razão. À janela da falta de reconhecimento miramos a parada da aniquilação do livre arbítrio e do eu na clausura concentracionária, numa sobreposse alienante afogada em mentiras».
É um formidável livro, denso enquanto pequeno, sobre «o váculo do zapping de carácter».
Encontrei-o hoje, a ele autor na Rua da Anchieta. Tímido encontrou-me de uma sacola, escondido o seu próprio livro, como se houvesse pudor em vendê-lo. Trouxe-o para escrever sobre ele. Li-o demoradamente para isso. Terei de o ler de novo. Uma vez mais e tantas outras. Cada frase, por vezes cada palavra um mundo: «o jornalixo» por exemplo, o de «as mortes ali penduradas todo o dia, presas ao quiosque por molas de orelha com espantos escarrados no rodapé».