Há muito tempo que não lia, salvo por razões obrigatórias. Por isso esta manhã escolhi um desses livros que estão para acabar de ler, e que amontoam em cima da mesa do quarto, pela estante que ladeia a cama, na pequena saleta agora escritório e por lugares incógnitos. E levei-o comigo, apesar de volumoso e sobretudo pesado, devido a ser encadernado, o das memórias do Rómulo de Carvalho, que mais se conhece como António Gedeão, o livro que ele compilou para os seus tetranetos, retrato do seu tempo e foi um tempo extenso, rico mas sobretudo mansamente vivido, com bondade e amor ao próximo.
Não consegui ler muito, porque ser pai e ser filho hoje cruzaram-se e o tempo encurtou.
Mas li ainda e falava ele, numa folha que lia ao acaso, do hábito alfacinha e já perdido de as pessoas ao entardecer ou depois do jantar abrirem janelas de suas casas e nas sacadas ou nas improvisadas varandas olharem o distante nada, conversarem com os seus vizinhos, a sentirem o sabor e o cheiro das noites mais o céu estrelado. E perguntava-se onde estariam hoje as pessoas porque todas as janelas estavam fechadas e não havia assomo de quem fosse. E respondia que diante da televisão. E em frente do computador digo eu, tal como eu.
E agora que o dia acaba e estou enfim comigo aqui pergunto-me porque não abro janelas, mesmo não havendo vizinhos, nem estrelas que o céu poluído permita ver, mesmo que seja para olhar o distante tudo. E tenho saudades que doem.