Este blog era aquele onde escrevia sobre os livros que lia e sobre o que poderia ser escrito em livros. Depois, um dia de zanga feroz, apaguei, vingativo, os blogs - este blog e todos os blogs e um que perdi de vez ou tirei-os do "ar" o que dá no mesmo - mas ressurgiria, feitas as pazes comigo e amnistiado o mundo, com outro, que esse é parte do meu nome e por isso se chama António Rebelo da Silva. E decidi que pediria exílio à Literatura e ali viveria, do mais isolado. E assim fiquei a adoecer a alma com o absinto da poética e a envenenar o corpo com o arsénio da ilusão.
Depois sucedeu que a vida passou a ocupar o seu lugar e eu a dar comigo a vive-la, com a totalidade de mim, incluindo todos os outros e as janelas de par em par, pagão e místico, rendido ao Ser que criou o Ser que tudo criou.
Os livros, esses, faziam já entretanto parte do meu quotidiano, comigo, teimoso, aplicado, a vencer uma incultura ancestral, esfaimado de saber. Alguns desses livros eram ao bom estilo alfarrábio, e pensando neles criei um espaço, que ainda hoje subsiste e vai ser reanimado, com o nome de A Fantástica Livraria, espécie de biblioteca universal do papel amarelecido e encarquilhado. Outros, dos que enchem estantes e já se espalham pelo chão, e não são propriamente o vient de paraître que faz as delícias dos apodados críticos que só se apodam porque vivem no terror de falhar a última, mas são o que eu desejo e cobiço e namoro e desfolho em luxúria, sublinhado-lhe as rugas dos melhores momentos. É a pensar nesses que ficou o António Rebelo da Silva. O blog do que lê.
Claro que, no tumulto da vida e a minha é uma algazarra contínua com todos os muitos que me habitam, há os inúmeros outros blogs, e são bastantes, por onde me fui dividindo, promíscuo mas nunca infiel. Há o que dedico à Maria Ondina Braga, sobre quem escrevi um livro, porque está jurado, à Clarice Lispector, que é um caso de paixão infrene, à Irene Lisboa, minha vizinha por todas as sacadas desta Lisboa sobre o rio. Há aquele onde está a língua prodigiosa, a Espantosa Língua que é a nossa Pátria. E aqueles onde está o que escrevo, dando realidade à ficção, como As Muralhas do Silêncio. E depois são aqueles outros como onde está o meu ser escondido e onde rareio, como O Culto do Oculto, aquele que é o meu ser que pensa com o coração e tem saudades pátrias do futuro, como a Geometria do Abismo, o blog do que quis fossem e hão ser memórias, a começar pelas da minha infância, as do filho do solicitador que nasceu numa rua ao fundo da qual passavam comboios, a Provisória Translação, o blog que é uma necrologia prematura e uma hossana funerária a tudo quanto renasce, e que toma como nome A Reciclagem do Ser, porque o divino é circular e o mundo corre para o seu princípio como um rio no seu reverso.
Quem ama dedica-se integralmente ao seu amor, como eu a cada um destes locais.
Sou, no fundo, o ser das deambulações singelas pelos jardins domingueiros e matinais, como O Passeio pelo Parque, a essência do que sou é ser O Ser Fictício, imaginando-me e rindo-me reflexamente como se de outro me risse.
O mais, são coisas de estudos e de aventuras, como o Patologia Social, que é sobre as coisa feias onde trabalho, O Mundo das Sombras, sobre os que viviam a duplicidade e o risco permanente, o 24 Land, para inglês ver, e o que vai sendo editado pela Labirinto de Letras, nesta eu de guarda-pó de editor, tentando que haja para ler o que gostaria de ter escrito, a endividar-me como um cão.
Há dias inventei um alter-ego que tem um diário A Velha Mansarda. E ontem um outro por onde fica tudo o que li na viagem marítima que é a minha ânsia de enseada em madrugadas de mar picado e ondas em rebentação. Este aqui. E as cenas dos próximos capítulos que eu ainda não acabei nem o mundo encerrou.