Já não esta noite mas na noite anterior ainda consegui iniciar a leitura do último livro do Walter Hugo Mãe, "O Filho de Mil Homens". E que tremenda surpresa para a alma, para os sentidos, para a consciência social, para o lado do leitor que ama o quê odiando o que está a ler!
Tinha dado conta da obra por uma referência num jornal em que o autor teria revelado a um auditório de mulheres ou com muitas mulheres ou o que seja que metia mulheres da sua frustração de não um filho tendo chegado à idade a que chegou. O que na boçalidade do relato ou nem sei se na vulgaridade do sucedido teria dado azo a furores uterinos e histeria incontida, como se de sequiosas candidatas em disputa pelo acto, logo ali, de que pode surgir filho.
Felizmente tudo isso foi - a ter sido assim - um mau momento do apresentar um extraordinário e pungente livro.
Ganhei o hábito de vir aqui anunciar logo como estou de relações com o que leio. Congratulo-me por estar a lê-lo. É difícil quem consiga ir tão ao íntimo da intimidade feminina como sucede com Walter Hugo Mãe. É difícil encontrar quem com uma só palavra consiga rachar a brecha de todo um novo mundo, como quando escreve: «Que ridícula soava a ideia de uma triste anã querer amar se o amor era um sentimento raro já para as pessoas normais. Para as pessoas». Ponto, para as pessoas! Vejam: ponto, «para as pessoas» e a brutalidade feroz da despersonalização, a redução daquele ser defeituoso a algo de animalesco ou mesmo coisa inerte, fora, em suma, do mundo das pessoas que o são porque normais. Enquanto normais. Sendo normais.
Diz a contra-capa que é «o mais delicado e afectivo de todos os livros de Walter Hugo Mãe». Duvido. Li o Apocalipse dos Trabalhadores e encontrei nele a mesma comunhão anímica, a mesma sensibilidade, a minha epiderme que aqui revejo.
Um grande livro! Vou continuar com ele. Hoje já não. A história dói. Uma belíssima história de amor.