Mais uma folhas até que, vencido pelo cansaço, adormeci, e mais umas quantas até que, entretanto, o comboio chegou ao seu destino. E que interessa quantas folhas foram? E quantas faltam? E que importa se eu escrever sem ir lá dentro, para conferir qualquer citação, agora que o livro está no quarto de dormir para que tente voltar a ele, mais logo, se for capaz, se houver tempo, se outro livro se não interpuser, mesmo que seja um livro antigo, que já devia ter lido, ou que já tenha lido?
Que importa se o sentimento vivido ao lê-lo é homólogo à sensação de quem escreveu? E que importante haverá para dizer naquele relato de tragédias individuais que foi o fim da descolonização em Angola que não seja a incapacidade de o saber melhor pôr em palavras, nos grandes e nos pequenos momentos, no atropelar do tempo e na brutalidade dos sentimentos, e por isso estar a ler aquele livro é convidar todos quantos a lerem aquele livro?
E que mais poderei acrescentar, de total identificação da personagem com a autora se não dizer que já ia a folhas tantas que tais quando me apercebi que era um rapaz quem ali estava e seus pais, e sua irmã, a viver o fim de um Império Colonial, o sangrento nascer de um novo Estado, fruto do cair de caduco de um regime e não ela própria ou talvez ela mesma alheada de si e nele irmanada?
Dulce Maria Cardoso é uma grande escritora! Li o seu último livro receando ao virar de cada folha. Caminho neste, entre os escombros da vida, como quando li "Os Meus Sentimentos". Um extraordinário livro, "O Retorno". Que importa se tudo fizer para, lendo devagar, prolongar o chegar ao fim?