Não me canso de o repetir: é um extraordinário escritor. Mesmo que esteja esquecido, ainda que confinado às prateleiras do mundo de ontem.
Stefan Zweig joga-se, na integralidade do seu ser, do seu corpo e alma, da sua intimidade e de toda a sua história para dentro dos livros que escreve. E esventra aquele sobre quem escreve, dilacerando aqueles para quem escreve. É nesta carnificina brutal em que os seres se despedaçam que o mundo, na sua unidade, síntese de contrários, fruto de antagonismos, que se exprime a sua Literatura.
E, no entanto, na aparência, a indumentária cuidado, o rosto aprimorado, o fundo imperscrutável dos seus olhos, sugerir-se-ia o pacato burguês, quotidiano, em paz consigo e com o seu conveniente mundo.
Teria o fim trágico em que viveu. Não foi mais um clímax estrelar pulverizando a galáxia do seu cosmos, foi só o fim do corpo, a interrupção da vida. Esgotara-se. Suicidou-se com sua mulher. A última página agonia os sentidos, as mãos dadas, já só o resíduo dos corpos como se tivessem sido inabitados, sós como se o mundo já não existisse.
Leio-o no que escreveu sobre Fiodor Dostoiesvski. Dir-se-ia que é ele quem ali está naquelas páginas ardentes, menos a prisão, menos a miséria, menos a agonia do mau viver público. É um texto tremendo. Nem sei se fale dele aqui, tal é o silêncio que se nos impõe, ante uma tal escrita, face a um tal viver.
Entre os extremos do bem e do mal, na agonia de a todo o instante o óptimo se transmutar em péssimo, são seres excepcionais, o ímpar do génio, o tormento de Deus.