Eu vinha por um caminho estreito, gradeado, paralelo à linha férrea, ladeado por um muro velho e outras velharias, no qual cabe uma pessoa de cada vez e quando se cruzam um tem de pedir licença e o outro tem que lha dar. Ela ia adiante, num caminhar tal modo miúdo que, mau grado o peso que transportava, um saco numa mão, a pasta na outra e a alma carregada de angústias, surpreendi-me ao alcançá-la. Sucedeu no momento em que o acanhado corredor se abriu num baldio descuidado, pedregoso, terreiro feio que dava acesso, enfim, à estação.
Iniciou-se-lhe aí o momento complicado. Alçada nos seus sapatinhos de salto alto, qual insecto de andar bamboleante, pé aqui, pé ali, dir-se-ia uma aranha em forma de mulher. Visivelmente míope, daquelas para as quais, a não existir a vaidade, se exigiriam óculos, franziu a testa para melhor acertar no local da brita que se ensarilhava nos sapatos e a fazia escorregar, em risco até de cair.
Parei até que se decidisse.
Foi então que tomou uma decisão heróica, demonstrativa que ainda sobeja força de alma neste país anémico: deu dois passinhos atrás e ei-la que contornou pelo largo, assentando os delicados sapatinhos num bocadinho que a Natureza atapetara de relva, em apreço a tão frágeis criaturinhas. Resoluta seguiu em frente. O mundo aplaudiu silenciosamente.
Momentos depois ali estávamos, cada um em sua plataforma, ela a caminho de Meleças, o tic-tac dos sapatos a marcarem a sua presença, na plataforma número dois. Transformara-se numa leoa, lançando em redor ondas de volúpia, do alto dos seus sapatos, do cimo da sua arrogância.