É como o raio verde, aquele momento magnífico e único em que o sol se afunda no mar, e é o pôr do sol: o teatro tem também aquela permanente possibilidade de o milagre quebrar o seu efeito, surgir, feio, desdentado, indesfarçável, o desastre.
Sozinho no palco cada actor enfrenta o medo constante de uma má expressão, uma falha de memória, uma deixa que se perdeu: representa na boca de cena do precipício.
Acabo de chegar da Culturgest. A peça chama-se A Orelha de Deus. Escreveu-a Jenny Schwartz. Encenou Cristina Carvalhal. Representam Cucha Cavalheiro, Diana Sá, Emílio Gomes, Luísa Cruz, Manuel Wiborg, Pedro Carmo e Sandra Fiadeiro.
Há no teatro aquele momento em que está em palco a representação da personagem de que costumamos ser nós os intérpretes. O receio de falhar cola-nos ao palco, as ribaltas como testemunhas, os seus longos olhos a seguirem-nos cada passo, cada gesto, cada fala.