Às vezes é nos lugares mais improváveis que se encontram as referências mais insólitas.
Comprei ontem o livro Autores, Editores e Leitores, escrito pelo Francisco Vale, fundador da Relógio de Água.
Tenho uma especial predilecção por livros escritos por quem está no mundo dos livros. Anda por aí por casa uma pequena biografia do Serafim Ferreira, li com gosto a história penosa do Alçada Baptista e suas desventuras no mundo editorial. Não consigo deixar de gostar da Conta Corrente do Vergílio Ferreira esse diário do cárcere que era a sua vida de escritor.
Só desprezo os arrogantes, os grandiloquentes no verbo e ostensivos na pose, os que escrevem livros para mostrar a imensidão da sua erudição, escrita de desamor e de ressabiamento. Como gosto de ler o Eugénio Lisboa a trazer-nos com desvelo a vida de quem escreveu através do que foi escrito!
Voltando ao Francisco Vale. Não é uma biografia são apontamentos daquilo de que fez vida. Dispersos porque a vida não é sistemática.
E que me ficou nesta manhã que acordou a chover desapiedadamente? Ver o Alçada Baptisa, falido financeiramente o seu projecto editorial «que teve de pagar quase até ao fim da vida os prejuízos, através de descontos no seu ordenado», o Wittgenstein «que ofereceu a fortuna aos amigos ricos para que não houvesse mais pobres corrompidos», que «a nossa lei de direito de autor estipula que, na ausência de especificação, a vigência de contrato é de 25 anos e os direitos autorais de 25 por cento».
Não sei se ria se chore. Claro que o livro ensina: falando da muliplicidade de edições diz: «há mesmo grupos editoriais qu praticam esses excesso de produção para asfixiar concorrentes»; referindo-se aos livreiros acrescenta: «por sua vez os livreiros tentam impor condições que dificultam a vida às editoras mais exigentes, aumentando as "margens", exigindo pagamento de espaço e montras, cobrando a publicidade nas suas brochuras duas vezes mais que a New Yorker e procedendo às devoluções num prazo que não permite que a crítica possa ter efeito nas vendas»; reportando-se aos críticos revela: «claro que não são raros os críticos que recorrem a estratégias que implicam perda de rigor, sobretudo em "início de carreira", como a de escolherem um autor consagrado para se distinguirem, reduzindo a pó ou declarando baudelairianamente paixão por certos escritores»; tratando, enfim, do mercado dos livros traduzidos ilustra: «por cada exemplar vendido, as principais livrarias recebem pelo menos 38 por cento, o distribuidor 22 por cento, o autor 8 por cento, o tradutor 16 por cento e o editor 16 por cento. Se a tiragem se esgotar a percentagem do tradutor desce para 12 por cento».
P. S. nº 1: ao menos na página 46 encontro bálsamo para estas chagas de mendigos literários, pedintes à porta do mercado das letras: «A História Universal da Infâmia de Jorge Luís Borges poderia acrescentar à sua longa lista também a infâmia que lhe sucedeu, pois vendeu dezoito exemplares quando surgiu na Argentina».
P. S. n.º 2: a fotografia «piquei-a» do blog magnífico que se chama O Silêncio dos Livros e está aqui.