João Céu e Silva gosta de António Lobo Antunes. É amigo e aprecia-lhe a obra. Talvez por isso a conversa é solta, fluente, e consegue que ele se retire daquela guarda em que a hesitação se transmuta em arrogância e a conversa um titubear de espadachim, com toque de florete.
Comecei hoje a ler a longa obra que corporiza anos de conversa entre ambos, Uma Longa Viagem com Lobo Antunes. Não sei porquê comecei pelo fim, pelas conversas mais recentes. Nessa altura já o seu último livro estava pronto e o autor perguntava-se uma vez mais, pela enésima vez, se não deveria parar de escrever. Mas juntava uma outra ideia: a dúvida existencial sobre se não seria algum outro ser superior que escrevia através dele.
A idade abala os agnosticismos, por vezes converte ateus. António Lobo Antunes declara-se um homem religioso. Não com o sofrimento frio de um José Régio, entre antiqualhas e pulsões de uma alma incontinente. Fá-lo no seu peculiar estilo, como quem não quer mas diz, mas sem sarcasmo. Claro que já prometeu abandonar os livros, várias vezes. Mas está possuído. O demónio fazedor que o habita não o deixa ir, e ri-se às gargalhadas quando acreditamos que acabou.