Para quê viver na ânsia de ler livros novos se ainda para ler os livros que não se acabaram? A verdade, além disso, é que a leitura não pode ser uma voragem nem uma vertigem, mas um refastelar da sensibilidade, um sossego da alma, mesmo quando é um vulcão de sensações. Hoje fui buscar a longa viagem que o João Céu e Silva fez com o António Lobo Antunes, para redimir a minha má consciência de ter estado tantos dias sem ler e para exorcizar fantasmas em relação não à sua escrita, mas sim quanto à sua pessoa.
Claro que há aquelas coisas que me exasperam. «O seu dia de escrita habitual começa pelas dez da manhã. Escreve até à uma da tarde. Regressa ao trabalho pelas duas da tarde e embala de novo até às oito da noite. Interrompe e continua uma hora depois até por volta dasonze da noite. Não há diferença entre os dias de semana e dos do fim-de-semana, todos são dias úteis, mesmo os sábados e domingos», revela o entrevistador. Uma pessoa lê isto e imagina aqui um amanuense da sua própria escrita, submisso ao livro de ponto, de manguitos e pala sobre os olhos, a esgravatar laudas, fólios, fiel ofocial da repartição literária, copista, afogado em serões num mundo de cegos, em breve o arquivo e a fama precária, a glória escusa e a esperança de sobreviver. Genial, porém.