Levei-o comigo. São histórias a que chamou de cosmicómicas. Invulgares porque não é habitual quem situe aí a ficção. Só que não é ficção. É a realidade no seu íntimo atómico, a intersecção do espaço e do tempo, reduzidos como na relatividade restrita ao indiferenciado. Como quando o perseguidor projecta todos os sentimentos no cone de luz emergente dos faróis da viatura, voando à procura da amada e do provável lugar para o qual o errático movimento a transporte e onde o outro amante possivelmente a encontrará, o ciúme e o desejo a sobresimplificarem a complexidade dos seres e tudo o que neles os torna humanos até a expressão facial e a dor do enamoramento infeliz. Ou quando o tiro que atingirá o perseguido só atingirá o seu instante de máxima possibilidade quando as filas de trânsito se entrecruzarem e o perseguidor alcançar o ângulo certo para o disparo só que o inverso surge como real, ainda que improvável, e morre quem queria matar e assim a vida se cumpre.
Engenheiro, Italo Calvino liberta-se do que a presença nossa e dos outros gera como espelho deformante, e escreve com uma beleza extraordinária porque rigorosa, segue a personagem abstracta em cujo nome nem doces vogais existem mas é a aspereza Qfwfq, esse ser que nem é criatura humana é mas nele se contém a totalidade da existência. O livro chama-se "La memoria del mondo".