sábado, 12 de novembro de 2005
A morte suspensa
Há coisas que o tempo me ensina a aprender; a mais recente é porque motivo eu não gostava do Saramago. Claro que havia aquela história de ele, director do «Diário de Notícias», nos «anos da brasa», ter demitido uma série de jornalistas, muitos dos quais passaram um mau bocado por causa disso. Há um que conheço e que ainda hoje, por causa disso, se recusa a chamá-lo pelo nome e cada vez que o refere o faz como «o erva daninha», tal é, de facto, a definição do dicionário para o nome do nosso prémio Nobel da Literatura. E, no entanto, cheguei à conclusão do motivo profundo para não gostar dele e nada ter lido até agora que proviesse da sua pena. É que o autor do «Memorial do Covento» é de tal modo banal a falar de si, de tal modo pardo a falar do que pensa, que uma pessoa fica sem vontade de ler qualquer dos seus livros. Senti isso mesmo ao ler este sábado frio a entrevista óbvia que Adelino Gomes lhe faz e que o «Mil Folhas» de hoje edita. Felizmente estou a ler «As Intermitências da Morte» e com agrado a surpreender-lhe os bons momentos de uma história aliás surreal. Ao encontrar neste que é o seu último livro a menção aos «lares do feliz ocaso», lembrei-me do nome deste blog e quanto ele pressagia de memória de passamento e de dia de finados. É de tal modo assim que, ao pensar nisso, sinto a vertigem dos que têm medo de se debruçarem, por receio de lhes apetecer antecipar o fim dos dias, em vez de viverem, como diz o Saramago, neste «cemitério de vivos», com a «morte suspensa».