domingo, 29 de janeiro de 2006
Começa um vida
A Irene Lisboa escreveu sob vários pseudónimos, um deles, o masculino «João Falco», por julgar talvez que um livro de homem teria mais aceitação junto dos leitores. Em 1940, em plena guerra, a «Seara Nova» editou-lhe o «Começa uma vida», que a Maria Keil do Amaral ilustrou. O livro é modesto de tamanho e de cuidado tipográfico e, por isso, aquele que, maravilhado e grato, tenho esta noite nas mãos, ameaça desfazer-se a cada momento do meu cuidadoso folhear. Não se trata de uma biografia, mas há muito de próprio e de intimista no que ali se diz, prenunciando uma escrita de tristeza e de solidão que seria, afinal, o seu modo de se exprimir em literatura. Ainda, sem saber como, consegui uns minutos hoje para começar a lê-lo até ao momento em que descrevendo o seu internato num colégio de freiras e relatando «despoeticamente» o seu viver sentimental de adolescente, partilha com quem a lê: «descobrira o prazer da tristeza, a sua espécie de função masturbante, ou de irritação e conformidade, de devaneio».