segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Agustina - Régio: dois seres correspondentes

 


É o epistolário entre dois seres bisonhos, excepcionais na sensibilidade, Agustina a levar a palma em sarcasmo e em profundidade do pensamento, Régio, pretenso tímido, na defensiva, a defender o seu último fortim de sociabilidade, o Diana Bar, lugar que se tornou de desencontro.

E, como em toda a correspondência, ei-las as coisas miúdas, desde os reparos às pessoas, aos pequenos mandados, com a arca a comprar e a restaurar, que se tornaram duas sem que, ao final do livro, o leitor, tenha podido concluir se a segunda se chegou a concretizar.

O «luxo verbal» de Agustina está presente em toda esta escrita, adivinha a cerrada letra miúda, a ocupar toda a mancha do papel passível de ser escrita, e nela também os seus ódios e o seu orgulho, afinal a solidão, em paralelo com o misantropismo de Régio, confuso, proclamando humildade mas ardendo, afinal, no desejo de que os amigos gostassem dele e o lessem, ambíguo na sua contrição.

Claro que, como sublinha Isabel Ponce de Leão, na sua introdução ao pequeno livro, que em 2014 a extinta Babel editou, ainda com a marca Guimarães e a meias com a Câmara Municipal de Vila do Conde, a correspondência entre escritores presta-se ao voyeurismo, apelando ao consumo e assim ao aumento de vendas. Podendo ser esse o caso da primeira particularidade, e a ser ela pecado e não virtude de fruição privada, duvido que tenha ocorrido quanto à segunda. 

Através do bem cuidado índice, o leitor reencontra lugares e pessoas. É útil, mas traz, como seu resultado preterintencional, o ir-se directo ao momento em que algumas das figuras literárias que se supunham amadas, aparecerem desfeiteadas com apreciações sinceras mas nada lisonjeiras. O voyeur rancoroso terá  aí espaço para o seu deleite, breve, porém. Bem feita! Há que dar aos grandes o benefício de terem sobre o resto um outro olhar, cruel seja, até injusto.