domingo, 9 de dezembro de 2007
A boca e os braços
Generalizou-se o beijo como cumprimento entre homem e mulher e no vice-versa cumprimentador de ambos.
Passou a haver o ritual do um só beijo, a distinguir os que, refinados, não dão os dois beijos plebeus, os que deixam por vezes o segundo beijo no ar das intenções, a cara do outro já recolhida, por imaginar terminada a saudação.
E há os três beijos, tricolores, afrancesados, quase como se distribuindo, na face, força, beleza, vigor; liberdade, igualdade e fraternidade.
Banalizou-se o beijo. O beijo na cara entre desconhecidos que se acabam de conhecer, o beijinho a marcar, em diminuitivo galaico-português, uma expressão de diferença meiga, a beijoca adolescente e ruidosa, o xoxo onomatopaicamente sugante.
Foi-se o beijo na testa, que já nem as crianças recebem. Distingue-se, pois que raro, o beija-mão, venerador e amarquesado. Pareceria hoje equívoco o beijo na boca, à russa, condecoração militar entre homens.
Arrepiraria o beijo no pescoço, vampiresco, o beijar a orelha, ósculo de segundas intenções. E fiquemo-nos por aqui na geografia corporal do beijo.
Multiplicou-se, enfim, o beijo. Foi-se o estender da mão, acto igualitário e republicano, ajudado por enérgicas sacudidelas públicas e burguesas, como se a aspergir alegrias demonstráveis, enterrou-se no baú das velharis a genuflexão ante a senhoria, o abanicar da mão a floreá-la, os dedos fibrilhantes, num volteio de borboleta.
Não há hoje carta, bilhete de recado, email ou conversa que não termine assim, beijocando.
E depois há, neste mundo de abreviaturas sentimentais, o «bjs» e o «bj» querendo dizer o beijo.
A tal ponto se beija, que uma mulher se embaraçaria se um homem, no fru-fru social mais banal, lhe desse, não um beijo ou mesmo dois, mas um simples abraço: no momento em que os corpos se enlaçassem haveria mais humanidade sim no exteriorizar desse saudarem-se ambos, as almas tocando-se, mas mais atrevimento, a físico-química do sentir contido a iniciar a sua função vital, ruborizando-os.