quarta-feira, 30 de janeiro de 2008
A repetição da História
Não sei como, mas ainda consegui começar a ler o livro de memórias do Manuel Poppe, irmão do Lopes Cardoso que foi ministro da Agricultura e teve o nome amaldiçoado pelas paredes de Lisboa, antes do António Barreto, por causa da Reforma Agrária.
Não são grandes memórias, mas é um livro de grandes momentos, como aquele com quem me cruzei hoje, antes de ter a noite aprisionada, quando descobri que o João Gaspar Simões trabalhou de revisor na Imprensa Nacional, emendando provas, grande presença de espírito seguramente para quem haveria de ser um grande vulto na nossa crítica literária.
Vou na página 77. Ontem lembro-me de ter lido que ele estava convencido de que «para perceber poesia, era indispensável o sofrimento». Assim, «ante de começar a ler deprimia-me, esforçava-me por criar, dentro de mim, infelicidade», acrescenta, para que nos sintamos como se sentiu.
Não vou ter tempo de ler. Fica-me a recordação de ele, que viveu na Guarda, me ter trazido à memória o Dr. João Gomes. Conheci-o e à sua extensa biblioteca, quando ali cheguei, fardado de militar, um aspirante a oficial miliciano, contra-vontade no meio das campanhas «dinamização cultural», em vias de passar de bestial a besta, de «herói anti-fascista» a «vendido reformista». É isto a vida e a sua repetição. Uma longa história ou talvez a mesma História.