Agustina surpreende-nos íntima mas secreta pela sua escrita quando se interpõe aos seus personagens, tornando-se narradora e amiúde comentadora, ou quando se revela através deles.
Mas foi talvez nesta correspondência que um conhecimento deu em amizade e esta em sentimento de pertença, esta naquele sentido em que as almas, diferentes porque diversas, se encontram num relação de mútuo e tão próximo reconhecimento.
O encontro deu-se no que seria uma ocasião que lhe deixaria azedas recordações, em Julho de 1959, em Loumarin, perto de Aix-en-Provence, num colóquio de escritores, patrocinado pelos EUA um dos «meios de combate contra a a influência soviética na Europa durante a Guerra Fria».
Como se percebe por esta troca de cartas e não se supõe de modo tão nítido no livro "Embaixada a Calígula", livro de viagens em que esta é uma das referidas, nem os organizadores do colóquio a sentiram como parte do que ali estava e se pretendia e ela própria se apartou de tudo, antipatizando com o que lhe foi dado assistir, essa «majestosa mediocridade» lhe chamaria, acintosa no seu sentir verdadeiro. Antipatia, com uma excepção, porém, a do seu interlocutor nesta correspondência, o escritor Juan Rodolfo Wilcock, que se inicia nesse ano e se prolonga até 1965.
Trata-se, como acentua o prefaciador, Ernesto Montequin, de laços que oscilaram «entre o afecto e a malícia, entre o respeito e a insolência, entre o fascínio e o temor».
Ante as cartas, editadas em abril de 2012 pela "Relógio d'Água, o leitor sente a pulsão errática do desejo, o do encontro, adiado pelas circunstâncias ou tomadas as circunstâncias como razão para o evitar.
Para quem queira achar a pessoa da escritora para além do que escreve, há aqui uma relativa oportunidade, não fora Agustina, mesmo aqui, não largar a pele de quem não se abandona para além da sua escrita. Mesmo assim, momentos surgem, inesperados, em que a volúpia das sensações irrompe para além da contenção das conveniências e seus encargos, como quando em Agosto de 1960, escrevendo de Esposende, para o «meu querido John», como que sussurra: «e nós escorremos do próprio verbo, gracioso e amantíssimo companheiro meu», para longo se disciplinar, como a soerguer-se, para o rictus da pose, clamar, em desespero: «Todas as coisas em meu redor murcham na minha presença, em sólidas, demasiado mortas, recordações».
É um livro requintado, desigual, Juan Rodolfo Wilcock tão aquém, fugidio, cerimonioso mesmo quando superficial, desentendido ou a desentender-se do que lhe chega em afagos de cuidado e mimo mesmo quando em rompante áspero, tal qual foi Agustina, ou quando «vagabunda nos meus costumes e volto a ouvir-me hermeticamente».
É, sobretudo, um livro dorido de revelações: «Vivo a minha crise mais terrível, de dúvidas, de neurastenia, de horror pelo mundo e por mim mesma», escreve do Porto, em Outubro de 1960, e continua: «Caverna de desejos de aparência negra, eu não me atrevo a consolar-me por medo de perder o melhor da minha inspiração, o sofrimento.»
Mónica Baldaque traduziu as cartas que vinham em castelhano e nas notas à tradução explica recuando às origens terenas do Ser excepcional que foi sua Mãe: «A relação de Agustina Bessa-Luís com o castelhano tem raízes familiares do lado materno. A sua mãe, Laura Jurado Ferreira, nascida em Corrales del Vino, na província de Zamora, a 17 de Janeiro de 1897, era filha de Loureço Guedes Ferreira, nascido em Loureiro, Peso da Régua, que por motivos profissionais se mudou para Zamora em 1895. Foi nesta ocasião que conheceu a espanhola Lourença Agustina, também nascida em Corrales del Vino, com quem viria a casar-se em segundas núpcias e de quem teve vários filhos, mas só três sobreviveram.»