segunda-feira, 9 de junho de 2008

A intimidade do Amor

Irene Fonseca editou um «Diário Inédito» de Vergílio Ferreira. São sempre difíceis estas opções de se trazerem a lume as intimidades privadas de homens que pela escrita se tornaram públicos. O próprio Vergílio Ferreira hesitou muito em dar-nos conta, volume após volume, da conta-corrente que foi minutando e de que se foi rindo, naquela «caligrafia somítica», o registo dos seus dias vividos depois de ter completado aquela idade inverosímil dos cinquenta e três anos.
Estou a ler, outro dia umas vinte folhas, há minutos mais umas tantas. E não sei o que pense ou o que conclua.
Precisava eu de ter sabido, que no dia em que se casou, a 16 de Fevereiro, anotou no seu diário apenas «casei-me»? Precisava a viúva que nós soubéssemos que, três dias depois, ele, como se lhe escrevesse, tenha anotado: «Gina, amo-te; mas não acabo de entender porque te amo assim, deste modo estranho que não tem nada de amor antigo. Zangas-te se te disser que sou principalmente teu amigo? (...)»?
Ganha com isso a Literatura? E Florbela Espanca de quem, em 12 de Outubro, ele diz que «cometeu a temeridade de não amar apenas em poesia»?
Não sei quem perde. Ganhará com isso o Amor, a verdade de se entender em público a sua natureza verdadeiramente íntima e seguramente privada. Talvez seja isso.